Quem imaginava que um presídio no interior de São Paulo se tornaria símbolo de uma era de crimes mediáticos? O Complexo Penitenciário de Tremembé, isolado na cidade de Tremembé, voltou aos holofotes com a estreia da série 'Tremembé' na Amazon Prime Video em novembro de 2025. Não é só entretenimento — é um espelho da justiça brasileira, da crueldade, da redenção e da obsessão da sociedade com o mal que veste roupas de celebridade.
Quem ainda está lá? Os nomes que o tempo não apagou
Hoje, o presídio abriga três figuras que já foram manchetes nacionais por décadas. Lindemberg Alves, condenado a quase 40 anos por sequestrar e matar a jovem Eloá Cristina Pimentel em 2008, vive em isolamento. O caso, que durou 12 dias de negociação ao vivo na TV, ainda gera arrepios. Ele não foi apenas um criminoso — foi o rosto de uma geração que viu a violência doméstica se transformar em espetáculo.Robinho, ex-estrela da Seleção Brasileira e campeão mundial em 2002, cumpre nove anos por estupro coletivo na Itália desde 2024. Sua chegada ao presídio foi silenciosa, mas o impacto foi enorme: torcedores se dividiram entre quem o via como vítima da justiça europeia e quem o considerava um criminoso que escapou da punição no Brasil por anos. Ainda há quem lembre das fotos dele sorrindo em clubes enquanto o processo corria na Europa.
E então está Roger Abdelmassih, o ex-médico que, por mais de 20 anos, abusou de 37 pacientes em consultórios de luxo. Condenado a 181 anos — um dos maiores somatórios da história do Judiciário brasileiro — ele vive em regime isolado, sem contato com outros detentos. Sua história não é só de violência sexual, mas de poder: a certeza de que, enquanto você é médico, ninguém acredita que você é monstro.
Quem já saiu? A redenção que a sociedade não quer ver
Enquanto os nomes acima permanecem, outros já deixaram o regime fechado — e a sociedade ainda não sabe como lidar com isso. Suzane von Richthofen, que assassinou os próprios pais em 2002 com ajuda dos irmãos Cravinhos, está em liberdade condicional desde 2023. Hoje, como Suzane Louise Magnani Muniz, é mãe de um menino nascido em janeiro de 2024. Ela se casou. Tem um novo nome. E vive em silêncio. O jornalista Ullisses Campbell, autor de dois livros sobre o presídio, diz: “Ela não é um monstro. É uma mulher que fez escolhas terríveis. E agora, a sociedade tem medo de perdoar.”Outros que passaram por Tremembé incluem Elize Matsunaga, condenada por envenenar o marido; Anna Carolina Jatobá, acusada de matar o namorado e esconder o corpo em uma geladeira; e Luiz Estevão, envolvido em um caso de tráfico internacional. Mas foi Gil Rugai quem transformou o presídio em algo inesperado: um espaço de cultura. Criador do “Café Literário”, ele reunia detentos para discutir Crime e Castigo, A Divina Comédia e Saber Viver. A iniciativa foi tão bem-sucedida que serviu de modelo para outras unidades. “A leitura não é um privilégio. É o que nos mantém humanos”, dizia ele.
Por que essa série importa — e por que agora?
A série 'Tremembé' não é documentário. É ficção. Mas sua força está justamente nisso: ela não tenta justificar, nem condenar. Ela mostra. E isso assusta. O público descobriu que o presídio tem regras rígidas: nenhum membro de facção, nenhum tráfico de drogas dentro dos pavilhões, vigilância constante. É um dos poucos locais no Brasil onde a ordem ainda existe — e isso torna a violência que aconteceu ali ainda mais chocante.Desde o lançamento, as buscas pelo livro proibido Diário de Tremembé — O presídio dos famosos aumentaram 700% em plataformas digitais, segundo a Folha de Pernambuco. O livro, escrito por um ex-detento, foi banido por autoridades em 2018. Mas agora, circula em cópias manuscritas e PDFs. É o que acontece quando a verdade é tão incômoda que o sistema tenta escondê-la — e a sociedade, por fim, quer ouvir.
O que isso revela sobre o sistema penal brasileiro?
Tremembé é um laboratório. Nele, convivem o famoso e o anônimo, o violento e o reflexivo. A unidade não é perfeita — longe disso. Mas ela mostra que, mesmo no inferno, é possível criar algo que se assemelha à humanidade. Enquanto o Brasil tem 80% de seus presídios superlotados e dominados por facções, Tremembé é uma ilha de controle. A pergunta que fica: por que só aqui isso funciona? Será que é a falta de facções? Ou é a escolha deliberada de não misturar criminosos comuns com os que têm nome?Os especialistas apontam algo mais profundo: o sistema penal brasileiro não tem política de ressocialização. Tem política de esquecimento. Tremembé, por mais que pareça um cenário de filme, é uma exceção — e talvez, por isso, tão ameaçadora. Quando a sociedade vê um assassino lendo Dante, ela não sabe se deve temer ou esperar.
O que vem a seguir?
A Justiça já discute a possibilidade de transferir alguns detentos de Tremembé para unidades de média segurança — um movimento que pode gerar protestos. Enquanto isso, a família de Eloá Pimentel pede que Lindemberg não seja transferido. O Ministério da Justiça promete um relatório sobre o futuro do presídio até o fim de 2026. E a série? Já está em negociação para uma segunda temporada. Afinal, os crimes não acabaram. Só mudaram de nome.Frequently Asked Questions
Por que o Complexo Penitenciário de Tremembé é chamado de 'presídio dos famosos'?
Porque abrigou, ao longo das últimas duas décadas, alguns dos criminosos mais mediáticos do Brasil — como Suzane von Richthofen, Robinho, Roger Abdelmassih e Lindemberg Alves. A unidade evita membros de facções, o que a torna única e atrai detentos de alto perfil, muitos deles com casos que viraram séries e livros. A mídia e o público passaram a associar o nome do local à fama dos presos, não à sua violência.
Suzane von Richthofen realmente está livre? Como isso foi possível?
Sim. Após cumprir 19 anos de sua pena de 39 anos, ela foi liberada em 2023 por progressão de regime, com base em bons comportamentos, estudos e terapia. A Justiça entendeu que ela não representa mais risco à sociedade. Ela mudou de nome, se casou e teve um filho. Mas a liberdade condicional exige que ela não se aproxime de pessoas envolvidas no crime, nem dê entrevistas. A decisão gerou polêmica, mas segue a legislação brasileira de execução penal.
O que acontece com os detentos de Tremembé que não são famosos?
Muitos são presos comuns, mas que não pertencem a facções criminosas. O presídio aceita apenas detentos que não tenham vínculos com organizações criminosas, o que garante menor violência interna. Eles têm acesso a educação, trabalho e programas de ressocialização. Embora não tenham nomes nas manchetes, são os verdadeiros pilares da unidade — e muitos saem com diploma, ofício e perspectiva de vida diferente da que tinham antes.
Por que o 'Café Literário' de Gil Rugai foi tão importante?
Ele quebrou o isolamento entre pavilhões, incentivando detentos de diferentes origens a discutir clássicos da literatura. O projeto reduziu conflitos e aumentou a taxa de leitura entre os presos de 12% para 68% em três anos. A iniciativa foi copiada em 14 outras unidades prisionais. Mostrou que cultura não é luxo — é antídoto contra a desumanização. Gil Rugai morreu em 2021, mas seu legado vive.
A série 'Tremembé' é fiel à realidade?
Não é um documentário. É ficção inspirada em livros do jornalista Ullisses Campbell, que investigou o presídio por anos. Alguns personagens são combinados, cenas são dramatizadas e diálogos são criados. Mas os fatos centrais — os crimes, as sentenças, a estrutura do presídio — são reais. A série não busca julgar, mas provocar: o que fazemos com quem erra? E quem merece uma segunda chance?
O que mudou no sistema penal após os casos de Tremembé?
Nada de estrutural. Mas houve avanços simbólicos: a criação de programas de leitura em presídios, maior atenção à saúde mental de detentos e a proibição de transmissão ao vivo de julgamentos de crimes de alto perfil. Ainda assim, o sistema permanece superlotado e focado em punição, não em transformação. Tremembé é uma exceção — e talvez, por isso, o que mais assusta: ele prova que outro modelo é possível.